Eu queria ser um avião...

 Duas gravidezes e dois partos espetaculares.

Depois apareci eu.

Uma gravidez cheia de enjoos e sustos.

Um parto provocado por pré eclampsia.

E assim vim ao mundo. De forma apressada e provocada.

 

O meu pai não assistiu ao parto mas estava no hospital. Diz que quando me foi ver ao berçário eu era o bebé mais bonito que lá estava.

Olhos de pai.

Eu nasci pequenina, com muito cabelo preto e uns grandes olhos azuis.

A verdade? Era um macaquinho, dos mais feios.

 

A minha mãe disse ao meu pai. Passa por uma igreja para agradecer. Ah! Não quero flores. Quero que vás à igreja, só.

 

O meu pai saiu do hospital e fez um desvio, antes de ir à igreja, foi primeiro ao Estádio de Alvalade inscrever-me como sócia.

E assim nasceu um grande amor e um grande amor dura uma vida inteira!

 

Como o meu pai é conhecedor do género feminino passou por uma florista e comprou um ramo de flores para levar à minha mãe.

Voltou ao hospital.

Já eu, Joana estava junto dela, acordadíssima e de olhos bem abertos!

 

O meu pai saiu do hospital e convidou os meus padrinhos para irem à missa aos Jerónimos. E assim sossegar a minha mãe. Nunca se deve brincar com os desejos de uma mulher e com as hormonas num turbilhão, muito menos. O meu pai sabia disso.

 

Era uma criança um bocadinho difícil, queria escolher a roupa, a comida, era teimosa, muito teimosa. 

Quando eu tinha 4 anos a minha mãe tomou uma decisão que comunicou ao meu pai:

- a Joana tem de ir para um infantário, aprender regras....

E eu fui!

 

O que eu fui feliz no infantário!

Ainda me lembro da minha irmã com 14/15 anos me ir buscar e eu de mochila às costas e com os desenhos que tinha feito durante o dia, correr que nem uma maluca pela Ferreira Borges em Campo de Ourique, para chegar a casa e mostrar as minhas obras.

A minha mãe, pintora.

Eu achava que os meus trabalhos se equiparavam aos dela....ah! ah!

A minha irmã com uma vontade de me esfolar e de gritar mas limitava-se a acelerar o passo que uma menina de família não corre, não fala alto e muito menos ralha com a irmã em público.

Melhor para mim!

 

À noite, ao jantar, falava, falava, falava, contava tudo o que se tinha passado durante o dia.

A minha família deve ter pensado durante um tempo:

- trouxemos o macaquinho errado da maternidade.

Com o passar dos anos fui ficando, fisicamente, igual à minha avó alentejana e aí está a prova de que o macaquinho veio para o galho certo!

 

No Natal, fizemos uma festa no infantário.

Com cantorias e pouco mais.

Os meus pais e irmãos na fila da frente.

 

A sala cheia. No final, cada um de nós agradeceu e apresentou-se:

- Olá eu sou a Carlinha, tenho 4 anos e quero ser bailarina...

- Olá eu sou o Carlitos, tenho 4 anos e quero ser bombeiro..

- Olá eu sou o Paulinho, tenho 4 anos e quero ser médico...

-Olá eu sou a Joana, tenho quase 5 anos e quero ser um avião...

 

A minha mãe consumida pela vergonha, o meu pai a rir tal como o resto da sala...

 

E eu não percebi porquê, ainda hoje não percebo....nunca ouviram dizer: Joaninha, voa, voa??

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