O arco-íris. Está na garagem!

A minha cabeça anda normalmente a 1550 hora.

Nasci acelerada. Sempre fui acelerada. Sempre falei muito depressa. Sempre andei a correr. Sempre fiz muitas coisas ao mesmo tempo.

Já escrevi uma vez. No Quiosque. O universo arranjou uma forma de me parar...ou o mundo não ia aguentar! (o mundo dos que me são próximos....)

- Asma! Toma lá, Joana! Vais ser asmática o resto da vida.

Ó senhores! O que o universo não sabia é que uma mulher quando quer nada a faz parar!!

Andava eu meia triste. Sem ver a luz ao fundo do túnel.

Não é por ter de cuidar de três crianças sozinha. 

Não é o excesso de trabalho.

Não é o estar fechada em casa.

Não! Embora, tenha muito trabalho. Dava-me jeito dormir mais uma ou duas horas por noite. E se conseguisse ir dar uma volta à praia sem qualquer perigo não ia ser parva de dizer que não!

Adiante.

O que me estava a deixar de rastos era o Pedro.

Não propriamente por ter Covid. Tenho ideia que o pior já passou.

Estive muito preocupada mas penso que o corpo do Pedro já mandou o Corona ir dar uma volta ao inferno. Ida. Sem volta.

O que me estava a preocupar era o regresso à vida normal do Pedro.

Normal, como quem diz. Isto não tem nada de normal.

O que é que se adivinhava?

O Pedro seria dado como curado.

No dia seguinte ia voltar ao hospital.

Ficaria em casa dos pais. Sem os pais dele que estão em Odemira.

Por tempo indeterminado.

O homem sozinho.

Eu com as miúdas. 

As miúdas a uma distância mínima do pai. Mas sem o ver.

Daqui de casa, a casa dos meus sogros são 10 a 15 minutos. Depende da quantidade de semáforos que encontramos da cor do demo.

Imaginem que esta crise vai até ao fim do ano. Provavelmente durará mais.

Imaginem as minhas filhas sem contacto com o pai quase um ano. 

Surreal.

O meu pai foi e é tão importante na minha vida.

É uma referência tão grande.

Rimos das mesmas coisas, temos o mesmo partido politico, gritamos pelo Sporting desde o dia zero das nossas vidas. Temos tanto em comum. É tão bom estar com ele...

Como é que privaria as minhas filhas de estar com o pai delas?

Só de imaginar o homem regressar a casa daqui a uns meses e ser um estranho para a Mariana e para a Luísa. A Alice já tem um pouco mais de idade...tenho ideia que seria diferente.

E isto tem sido a minha cabeça nos últimos tempos.

E o homem sozinho? 

Sem apoio. Sem ninguém para poder falar. Sem mimo. Sem nada....

Mas...

....esta noite percebi onde se esconde o tal arco-íris de que toda a gente fala e que eu não tinha encontrado.

Tive uma ideia durante a noite. E tive de me segurar para não ir acordar o Pedro às 3h da manhã.

Fui às 6. Porque se estivesse à espera mais 15 minutos podia rebentar! 

Bati à porta do sótão.

Ouvi um barulho esquisito. Como se alguém tivesse acordado estremunhado. 

Não percebo porquê...

E do outro lado ouvi alguém a chamar por mim.

Diz o Pedro do outro lado da porta...

- Estava a sonhar que estavas grávida e que tinhas entrado em trabalho de parto...

Também, não percebo porque é que estava a sonhar com estas coisas.

Desde que estamos casados só aconteceu duas vezes.

Adiante.

Nós temos uma garagem.

Chamamos garagem mas é mais uma arrecadação.

Como está tão cheia de tudo, só cabe um carro.

E normalmente tenho o carro dentro do quintal, em frente à garagem. E o Pedro estaciona o carro dele cá fora junto do portão.

Dentro da garagem mas numa assoalhada à parte (já estava assim quando comprámos a casa) tenho a máquina de lavar roupa e a máquina de secar roupa, tenho também lá uma tábua de passar a ferro e um ferro de engomar porque muitas vezes dá jeito tratar da roupa ali e pôr tudo ajeitadinho num cesto e depois em casa é só arrumar. Nessa divisão tenho um lavatório com água corrente.

Meus amigos. 

É nesta divisão que está escondido o meu arco-íris.

Lembrei-me que podia criar aqui um espaço para duche.

O Pedro chegava a casa e entrava directamente para a garagem.

Tirava a roupa e punha na máquina.

Tirava os sapatos e limpava-os com desinfectante.

Tomava banho.

Vestia roupa lavadinha e sem bichos atrasados mentais que só apareceram para arruinar a vida de uma pessoa.

Calçava outros sapatos.

E pronto!

Podia entrar em casa.

As minhas filhas continuam a ter um pai presente. 

É claro que em alguns dias não vão estar acordadas para estar com ele.

Mas, modéstia à parte, acho que é a melhor ideia de todos os tempos. Se tirarmos desta lista de melhores ideias a criação do Sporting Clube de Portugal. Essa, está num patamar diferente...e inatingível.

O Pedro que é todo picuinhas com a segurança. Achou que era boa a ideia.

De manhã. Eram 8 da manhã liguei para o senhor que fez as obras em Carcavelos e lá lhe expliquei o meu caso.

Claro que com a minha cabeça a 1550 à hora e a falar tão depressa lá me consegui fazer entender.

Segunda-feira vem cá à noitinha ver o espaço e ver o que precisa fazer.

Também me disse que a parte em que fizer barulho tem de ser feita das 8h da manhã às 18h mas não se importa de fazer umas horas extra mais à noite para a parte silenciosa da coisa. Ou ao fim de semana. 

Hoje passei o dia a tratar das miúdas. 

Do Pedro. 

E a esvaziar a garagem (a parte que vai ser intervencionada).

Até a máquina de lavar arrastei.

Encomendei uma caldeira eléctrica para aquecer água. Não quero o homem constipado!

(O senhor das obras diz que é melhor do que um esquentador a gás...para não andar a fazer canalizações ou andar a comprar botijas de gás...)

Ninguém me pára!! 

Nem asma. Nem nada! Porque...encontrei-o!

O meu arco-íris. Está na garagem! 

Com mil Slimanis!

Gosto dele como se fosse um unicórnio!

Faz hoje um ano!

Faz hoje dois anos!

Faz hoje três anos! (por coincidência também escrevi sobre um arco íris!)