O dia em que fui ao cardiologista

 Aos domingos é dia de almoço de família. Em casa dos meus pais.

Não estamos sempre os 3 filhos, genro, nora e os 5 netos...

Vai sempre alguém mas nem sempre estamos todos.

O meu cunhado fez anos na semana passada e por isso era um almoço especial, daqueles que dura o dia inteiro e só acaba perto da hora do jantar....

Não foi em casa dos meus pais, foi em casa da minha irmã...

Fui acompanhada. O Vasco. Faz parte da família mas também porque vou para Barcelona esta semana e precisava de o deixar na tia.

 

Uma refeição em família é demasiado bom!

É aqui que me sinto bem e que percebo onde pertenço.

Por mais amigos que tenha, a minha família é o meu porto de abrigo........

Os almoços acabam sempre por recordar histórias...antigas.

Não sei bem porquê mas entro sempre nelas...


 

Há muitos anos atrás...

Também um domingo.

Também em Outubro.

Tinha eu 7 anos.

Estávamos todos no Alentejo, em casa da avó Maria.

Em vez de sobrinhos tinha primos. O meu primo Filipe era o meu melhor amigo.

Tinha mais dois anos que eu. (Tinha e tem!)

Naquele tempo as crianças não eram de vidro, pelo menos as que já tinham irmãos mais velhos e eram arraçadas de pit bull cruzado com um caniche.....(tipo eu!)

Andávamos à solta, quais cavalos selvagens. Sem horas. Sem destino.

 

Eu e o Filipe chegámos atrasados, muito atrasados ao almoço. Sujos. Muito sujos. Eu disfarcei mas vinha a coxear...e trazíamos uma caixa de cartão...

 

A minha mãe estava possuída.

Quando nos viu chegar:

- Onde é que vocês estiveram??? Faltaram à missa.

Olhei para a minha mãe à beira de um ataque de nervos.

Faltar à missa e chegar atrasada ao almoço de domingo tudo num só dia! Dava direito a pelo menos um ano no inferno. Traduzido, um ano sem televisão e sem sobremesa, tudo ao MESMO tempo!

 

Antes de responder olho para o meu pai para ver se estava com um ar sério. Respiro fundo, estava normal..

- Estivemos a brincar aos médicos. Respondo eu.

 

Toda a sala se calou. Toda a gente olhou para nós. Não percebi...

 

O meu pai, lá viu que eu tinha 7 anos e o Filipe 9. Não devia ser nada de preocupante.

- Explica-nos lá, o que é brincar aos médicos? Perguntou ele, divertido.

Viro-me para o Filipe e digo:

- Eu explico! E expliquei.

- Eu e o Filipe apanhamos lagartixas.

lagartixa.jpg

 

O ar horrorizado da minha mãe e da minha irmã.

 

Eu prossegui...

- Seguro na lagartixa. O Filipe abre a lagartixa e vemos o coração a bater...

 

Continuei..

- A seguir, o Filipe segura na lagartixa e eu coso a lagartixa. É assim que brincamos aos médicos...

 

O ar perplexo da sala. Nunca me vou esquecer do olhar:

- da minha avó,

- do meu avô,

- da minha mãe,

- do meu pai 

- dos meus tios

 

- é mentira, não acreditem! Deve ter visto nos desenhos animados. Diz a minha irmã...

Toda a gente se ri.  Dizem que sim com a cabeça e concordam com ela...

 

E eu, Joana, abro a caixa de cartão e tiro lá de dentro, uma lagartixa, espetacularmente cosida, com pontos e contrapontos..

De dentro da caixa sai também:

- um carrinho de linhas e uma agulha que eu tinha tirado discretamente da caixa de costura da avó Maria,

- a navalhinha do meu avô que foi roubada por mim, no dia anterior, enquanto estava a dormir no sofá. Foi só ter a mão leve, fazer pouco barulho e tirar com cuidado de dentro do bolso!

 

Já não me lembro bem mas alguém quase desmaiou naquela sala...

- Não gritem que assustam a lagartixa. Dizia eu com um ar zangado, a quem ameaçava ter uma síncope...

 

- Não sei o que te fazer, Joana. Dizia a minha mãe.

- Achas que isso são brincadeiras? Dizia a minha tia..

 

A minha irmã tinha fugido...com medo da lagartixa.

O meu irmão Tiago quis pegar na lagartixa.

O meu primo António também.

 

- Afastem esse bicho. Gritava a minha tia.

- NÃO ASSUSTE A LAGARTIXA. Dizia eu...

...claro que apanhar a lagartixa, abrir a lagartixa e coser a lagartixa não assustaram o bicho...os gritos sim...toda a gente sabe que estraçalham os nervos da melhor das lagartixas..

 

-  Ai, João, onde é que nós errámos? Dizia a minha mãe ao meu pai.

 

A minha avó Maria ria. E perguntou-me...

- E porque é que estás coxa?? E o Filipe tem as pernas todas esgadanhadas?

- Quisemos fazer o mesmo ao galo....e fomos atacados...

 

galo.png

 

E sim, a ideia tinha sido minha...

Nunca mais apanhei lagartixas na vida.

No ano seguinte, eu e o Filipe mudámos o foco e começámos a apanhar borboletas...com um camaroeiro que ele desviou da casa de férias do tio Luís...

A ideia do roubo do camaroeiro foi minha.

A ideia de caçar borboletas, também!

E sim, fiquei de castigo.

Das duas vezes!!

 

....e ontem, quase trinta anos depois....chorámos a rir com a história......

olhei para os meus sobrinhos e tive pena...que não tenham sido crianças nos anos 80..

 

 

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