caramelos...

 Lisboa.

Campo de Ourique.

Anos 80. Século passado.

 

Vivíamos num segundo andar. Numa das ruas principais do bairro.

Dois prédios abaixo do nosso prédio estava a mercearia do Senhor Zé.

Zé Maria. Vendia tudo e mais alguma coisa. Incluindo rebuçados de fruta.

 E caramelos.

Daqueles de nata, cremosos.

BONS!

Que ficavam presos no último dente da boca, aquele mesmo lá ao fundo onde a língua não chega.

 

A minha mãe fazia lá as compras e quando eu ia com ela o Senhor Zé Maria abria um frasco grande de vidro, tirava a tampa e dava-me rebuçados.

 Eu.

Escrutinava cada um deles.

A minha mãe olhava para mim com olhos furiosos. Sabia o que ia sair dali. E tinha medo do que ia sair dali.

Depois de examinar cada um dos rebuçados. Abria a boca.

A minha mãe ameaçava espancar-me com o olhar mas eu não queria saber.

- Ó Senhor Zé Maria podia trocar este rebuçado de laranja por um de limão e este pêssego por um de cereja ou de morango? Pode também acrescentar um caramelo??

Confirmavam-se os piores receios da minha mãe.

Já me tinha avisado. Falado. Conversado. Ameaçado.

- Quando nos dão alguma coisa, MESMO que não gostemos, aceitamos e dizemos obrigada!

Eu até percebia esta parte. Mas não ia ficar com os rebuçados de laranja que eram demasiado enjoativos e os de pêssego? Nem pensar. Não tinha feito mal a ninguém…

 

Às vezes.

 Muitas vezes.

A minha mãe chegava a casa e percebia que lhe faltava alguma coisa.

Ou então.

Era tarde. E tinha acabado o Tulicreme. Bem de primeira necessidade da minha pessoa.

Antes que o berreiro se instalasse lá em casa. A minha mãe. Ligava para a mercearia.

A magia acontecia.

A minha mãe atava uma corda a uma cesta e punha dentro de um saquinho, o dinheiro e uma maçã para fazer peso.

Baixava a cesta.

O Senhor Zé Maria. Estava cá em baixo à espera.

Tirava o dinheiro.

Depositava o Tulicreme na cesta. E o troco dentro do saco com a maçã.

Em cima. Eu. Aguardava com ansiedade que o milagre acontecesse.

A minha mãe puxava a cesta.

- Mais depressa. Mais depressa.

Gritava eu.

E a cesta lá aparecia.

Com o Tulicreme. A maçã e o troco. Ah! E uns rebuçados de limão, morango, cereja e caramelos! Daqueles de nata, cremosos.

 BONS!

Que ficavam presos no último dente da boca, aquele mesmo lá ao fundo onde a língua não chega.

Acreditem.

Escrever no Quiosque é mais ou menos como lançar uma cesta ao Senhor Zé Maria da mercearia do bairro de Campo de Ourique.

Sai um post escrito por mim. E fico à espera…

...na volta. Quando volto a espreitar.

As vossas visitas são como rebuçados de fruta. Limão. Morango e cereja.

Os vossos comentários são como caramelos.

Daqueles de nata, cremosos.

BONS!

Que ficam presos na minha lembrança e no meu coração.


Texto escrito em 2019

num outro blog...

desculpem a reciclagem...😉


Comentários

  1. Que saudade, Joana! Saúde para todos vós! E para o Sporting!...
    Abraço e SL

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  2. Não me importo nada com a reciclagem! De facto, reconheci o post! Não era esse senhor que tentava que deixasses de ser do Sporting? (Se calhar esta parte estou a confundir, mas pronto!)

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  3. É tão bom quando reciclas 😃

    Fizeste-me lembrar de uns rebuçados em forma de limão e laranja que comia em miúda... eram tão bons, principalmente os limões 😋

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    Respostas
    1. Devo estar a ficar velha...mas as coisas de antigamente tinham outro sabor...

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  4. Como eu adoro ser um caramelo! E como adoro ler posts, mesmo que reciclados...
    obrigado Joana

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  5. Adoro as tuas histórias.
    Quem não adora um bom rebuçadinho, até os príncipes cá em casa adoram.
    Beijinhos

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  6. É sempre agradável ler o que escreve, Joana, e vê-la por aqui.
    Mesmo sendo mais velha, lembro-me bem desses caramelos.
    Tudo de bom.

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  7. Que saudades, está tudo bem convosco? Festas felizes e vá voltando de vez em quando, beijinhos para todos aí em casa.

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  8. Já tínhamos saudades das histórias da Joana <3

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  9. Lembro-me bem deste texto e adorei relê-lo.Também me lembro bem dos caramelos. Beijinhos
    https://cronicasdeumamaeatrapalhada2.blogs.sapo.pt/

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