1 ano de Luísa

 Dizia o meu avô Joaquim:

- "o bom e o assim a assim aparece todos os dias e já contamos com ele, o excepcional acontece de repente e sem estarmos à espera."

Tantas vezes ouvi isto da boca do meu avô, decorei mas nunca dei grande importância até ficar grávida. (Sendo que o processo que me levou à Alice foi como uma gravidez...mais curto mas extremamente avassalador...)

Estávamos nós na África do Sul felizes e maravilhados quando o Pedro recebeu como agradecimento por um tratamento um bode. Alguns que por aqui passam devem lembrar-se desse episódio...

Andei eu sozinha atrás dele, ou melhor..eu achava que andava, corria sozinha mas não! Uma pequena Luísa já estava dentro da minha barriga.

Estávamos em Maio e a Mariana tinha nascido em Março. Queríamos ter mais filhos mas tínhamos planeado começar a tentar lá para Setembro.... 

Fomos tão apanhados de surpresa que o facto de eu ter vomitado durante uma quantidade astronómica de dias não fez soar qualquer campainha na nossa cabeça. Era do clima, era da comida, era da água, era do ar...e quando o Pedro se juntou a mim a vomitar tivemos a certeza absoluta de que era uma virose!

Uma virose chamada Luísa!

Ficámos felizes por termos um nome para a virose mas ao mesmo tempo estupefactos.

Estávamos a adorar a nossa estadia na África do Sul. Tínhamos uma vida perfeita...porque tínhamos tempo para estarmos juntos. Pensávamos seriamente em renovar por mais 6 meses a um ano a nossa estadia. Mesmo com a virose materializada em Luísa achámos que seria boa ideia ficar. 

Em Julho, o Pedro estava de férias e pensávamos seriamente na possibilidade de ficar mas de Portugal chegaram notícias que não estava à espera.

O meu primo Filipe de 42 anos estava no hospital. AVC. Estava em coma.

Quando recebi a noticia não quis acreditar e achei que era um susto que ia passar.

No dia seguinte recebi um telefonema de Lisboa:

- A tia está à tua espera, para desligar as máquinas.

Foi assim que deixámos a África do Sul. Eu, o Pedro, duas crianças e a Luísa na minha barriga.

Deixámos tudo para trás. Não fizemos malas. Pegamos no essencial e comprámos a viagem de regresso.

Os meus vizinho ficaram de empacotar tudo e enviar. E assim o fizeram. Recebemos tudo direitinho passadas umas semanas.

Chegámos a Portugal. 

Despedi-me do meu querido primo.

Fui ao funeral.

Sempre com um nó e um pensamento.

- Querida Luísa agarra-te bem... 

A gravidez foi avançando.

A nossa vida também se recompôs. Que remédio. Sempre com uma nostalgia do que poderia ter sido se tivéssemos ficado na África do Sul. A verdade é que se tivéssemos ficado teríamos apanhado toda a saga Covid-19, na África do Sul. Mal por mal antes cá....

Fizemos a noite de Natal em nossa casa.

E o almoço do dia de Natal.

O Pedro foi trabalhar às 16h.

Os meus sogros jantaram aqui em casa. Eu sentia-me muito bem.

Pelas 21h comecei a ter uma dor no fundo das costas.

Velhice. Pensei.

Nada de mais. Nada de grave.

O Pedro chegou pela uma hora da manhã.

Estava acordada e comentei com ele.

- Apareceu-me uma dor no fundo das costas. Mas não é nada...

O homem levantou-se da cama e disse-me:

- É melhor irmos ao hospital só para ficarmos descansados.

Eu, aconcheguei-me na cama e disse-lhe:

- Eu estou descansadíssima...mais descansada é impossível. Deita-te...

Mas não...

....não se deitou. Ligou aos meus sogros a pedir para virem cá para casa ficar com as miúdas.

Ainda ligou para a médica.

Fartei-me de ralhar com ele...

Chegámos ao hospital. Eu com um ar de:

"não preciso de estar aqui, não quero estar aqui e deixem-me ir embora...por amor da Santa"

Fui avaliada e a médica disse-me:

- Tens de ficar cá..

Como assim, ficar cá?

Argumentei como é meu hábito....

- Não posso, porque tenho a Alice e a Mariana. Elas não podem deixar de ter a mãe assim de repente...nem tenho almoço feito para elas. Posso só ir a casa e voltar logo? Só para me despedir e dizer que volto logo...

Levantei-me.

E...

...rebentaram as águas.

Foi tudo rápido. Fui para a sala de partos. Nem me lembro muito bem...

...lembro-me que de repente tinha nascido. 

Ao contrário da Mariana, mal a vi. Levaram-na.

Esteve numa incubadora mas por milagre...não precisou de estar mais do que um par de horas (devem ter sido mais mas não me recordo muito bem).

Era muito pequena mas tal como no início...agarrou-se bem à vida. Desde o primeiro momento...

...deve ser isto que se chama: "milagre da vida".

Esta Luísa tinha de ser nossa.

Porque sem saber explicar como deve ser...é mesmo nossa.

É a alegria louca que faltava cá em casa. Ainda mais do que eu.

É a que gosta mais de música, de festa e de caos. Nem quero imaginar esta miúda a comemorar as vitória do Sporting! Vão ver!!

É a que "fala" mais alto.

É a que nos suga a energia toda e ainda está pronta para fazer a festa...

É a mais optimista das pessoas...adora viver! Não sei explicar mas esta miúda grita vida por todos os lados...

É a mais risonha....

É a que mais gosta de viajar...nestes últimos tempos tenho sido o andarilho de dona Luísa...para que ela possa viajar pelo nosso mundo aqui de casa...

É a que mais gosta de abraços prolongados, beijinhos e festinhas sem nunca se chatear...

É a que adora gorros e carapuças e nunca os quer tirar.

É a que gosta de viver todos os minutos do dia...preferencialmente acordada.

Esta Luísa é o milagre. 

Excepcional. Que nos escolheu como família.