a passa de alperce

 O Pedro fez noite no hospital.

Chegou de manhã. Já com toda a gente fora da cama.

As miúdas andavam a cirandar entre a cozinha, sala e quintal.

Falámos e como habitualmente, sempre que faz noite, vai descansar um bocado achei que o ia fazer e acabei por ir à minha vida.

Estava eu entre o quintal e a garagem/arrecadação quando sou chamada pelo Pedro e Alice.

Estranhei o Pedro estar de pé e estranhei o tom da Alice.

Entrei em casa e vi o Pedro com a Luísa ao colo, a Alice com um mega entusiasmo e a Mariana amuada.

Hoje é dia da mãe.

A Alice deu-me um abraço e disse:

- Gosto muito de ti mamã. És a melhor mãe do mundo.

Para a Luísa tudo é uma festa e lá estava ela toda feliz ao colo do pai.

A Mariana amuada.

Recebi flores. Lindas.

E olhava para a Mariana e só me lembrava de uma amiga minha que costuma dizer:

- Não herdei os olhos verdes da minha mãe mas herdei os joelhos tortos...

A Mariana não herdou a cor dos meus olhos (herdou a cor dos do pai...) mas herdou o amuanso profissional que eu tão bem fazia durante os meus primeiros 15/16 anos de vida.

É igual. Juro. Garanto. Em miúda eu era a profissional do amuo e a Mariana herdou isso de mim.

A Alice começou a empurrar a irmã e dizer-lhe:

- Vá diz! Diz...

E a Mariana de olhos pregados ao chão. Nem movia um músculo da cara.

Baixei-me. Para estar ao mesmo nível. E perguntei-lhe o que é que ela tinha.

Respirou muito fundo.

(Como eu conheço este respirar.....também sou perita em reconhecer reviranços de olhos mas a Mariana ainda não chegou a este patamar...)

E disse-me:

- Eu não queo dize o que ele que dize.

(eu não quero dizer o que ele quer que eu diga..)

Disse a Mariana com um dedo apontador para o pai, esse ditador.

Presumi que o Pedro tinha ensaiado as filhas para me dizerem que gostavam muito de mim e que eu era a melhor mãe do mundo.

Pobre homem. Fez noite. Ainda teve paciência para desencantar flores não sei onde. Pegou nas miúdas e ensaiou umas palavras bonitas para elas dizerem. E é denunciado sem dó nem piedade.


- Não faz mal, Mariana. Não precisas de me dizer nada.

Dei-lhe um abracinho.

Dei-lhe beijinhos.

Afastou-se. Foi à vida dela. E o restante pessoal também dispersou.

A Luísa no chão. A Alice a pintar. O Pedro ainda por ali mas nitidamente à beira do desmaio.

Lá subiu para o quarto.


De repente senti a minha perna direita abraçada. Era a Mariana.

- Mamã. A Maiana gota muito das pepinhas.

(pepinhas = passas de alperce)

- Toma!

Abriu a mão e deu-me uma mão cheia de passas.


O amor manifesta-se de muitas formas.

Por palavras. Por atos. E por partilha. E às vezes vem em forma de passa de alperce. 💚

Feliz dia da mãe.




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