como o mel

Os braços eram fortes.
Os  abraços eram doces. Tão doces. Como o mel.

Pegava-me pela mão.
E mostrava-me a vida.
Ensinava-me. 
A galinha punha os ovos. Que a minha avó estrelava com todo o aprumo.
- Ò vóoooo eu não quero a amarela desfeita. 
Gritava eu a plenos pulmões para não restarem dúvidas!
A amarela do ovo esbardalhada era uma tragédia pior que toda aquela tourada do Titanic.

A cabra malhada dava leite. E a minha avó fazia queijos.
Devagar.
O leite coalhado passava de uma mão para a outra. Vezes sem conta. Sem se enganar. Sem se cansar.
Eu comia queijo fresco até me fartar. Era a melhor das iguarias. Perfeito. Digno de uma centena de estrelas Michelin.

As abelhas davam o mel.
O tio Josézito tirava o mel das abelhas do meu avô.
Na despensa estava sempre um frasco pronto a comer.
- Depois de teres posto a colher na boca nada de a pores dentro do frasco outra vez.
Dizia-me a minha avó.
- Come à vontade mas cuidado com a colher.
Antigamente. Ninguém se preocupava com eventuais diabetes ou obesidades...

Estava a brincar cá fora. Mas...
Entrei na cozinha.
Abri a gaveta.
Tirei uma colher.
Entrei na despensa.
Abri o frasco.
Enchi a colher bem cheia.
Comi o mel. 
Atirei com a colher para o lava loiça.

Estava a brincar. Aos policias e ladrões.
Mas...
...
Entrei na cozinha.
Abri a gaveta.
Tirei uma colher.
Entrei na despensa.
Abri o frasco. Peganhento.
Enchi a colher bem cheia.
Comi o mel. 
Atirei com a colher para o lava loiça.

Ouvi do inicio ao fim e do fim para o inicio o disco da Abelha Maia.
E...
...
Entrei na cozinha.
Abri a gaveta.
Tirei uma colher.
Entrei na despensa.
Abri o frasco. Peganhento. E escorregadio.
Enchi a colher bem cheia.
Comi o mel. 
Atirei com a colher para o lava loiça.

Li um livro dos "cinco".
Imaginava que fazia parte daquele grupo. E...
...
Entrei na cozinha.
Abri a gaveta.
Tirei uma colher.
Entrei na despensa.
Abri o frasco. Peganhento. E escorregadio. Muito, muito escorregadio.
Enchi a colher bem cheia.
Comi o mel. 
Atirei com a colher para o lava loiça.



Fui visitar a horta e ajudei a regar o milho.
Colhi um tomate. Comi-o.
Voltei para casa.
Entrei na cozinha. Mas não passei da porta...
Ouvi a voz da minha avó. 
Zangada com o meu avô.
- Mãos de sebo é o que é...deixaste cair o frasco do mel? E agora quem limpa...
- Escorregou-me das mãos..
- Nem um frasco consegues abrir sem o deixares cair...onde já se viu??? E as colheres que estão no lava-loiça??? Quantas colheres de mel já comeste??? Não tens juízo nenhum. Ainda te sentes mal com tanto mel!!

Joaninha deu meia volta.
E foi ouvir os passarinhos cantar...
-Lá, lá, lá...lá.



Hoje.
Quando deitei a Alice.
Contei-lhe a história das abelhas.
Peguei-lhe nos  bracitos doces.
Dei-lhe o abraço forte. Tão forte. E doce. Tão doce. 
Como o mel....



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