Uma fadinha, um unicórnio e o George Michael

Tudo começou ao almoço.

Comigo.

Estava sozinha em casa. Sozinha de humanos. Acompanhada. Bem acompanhada pelo Vasco, Gabi e Lili.

Uma da tarde, larguei o trabalho. Desci do sótão.

Aqueci a comida. E....

...... sentei-me.

De repente. Ouvi.

E depois parei de ouvir.

Logo a seguir ouvi outra vez.

A tubagem do exaustor tinha vida lá dentro.

Seria um pássaro. 

Um rato. Arrepiei-me da cabeça aos pés.

Peguei no meu pratinho e fui comer para a sala.

Continuava a ouvir o baruhho.

Peguei no meu pratinho e fechei-me no quarto que temos cá em baixo. Continuava a ouvir.

Comi o mais depressa que consegui. Fechei a cozinha....porque o Vasco e a Gabi não paravam de ladrar ao individuo da tubagem....

E voltei para o sótão.

Pelas 16h. Começou a recolha de criancinhas. O Pedro tinha enviado uma mensagem. Ficou retido no hospital, previa chegar a casa pelas 21h.

Fui a Porto Salvo (casa dos meus sogros), buscar o João. Passei por Paço de Arcos para ir buscar a Luísa e rumei a Carcavelos para ir buscar as mais velhas.

Chegámos a casa.

Já tinham lanchado na escola, mas têm sempre fome. 

- Papas de aveia com maçã cozida e canela. Pediu a Mariana.

Mal abri a porta da cozinha. E ouvi o barulho....

Fingi um ar descontraído. Embora estivesse à beira de um enfarte.

Disse às miúdas que não podia cozinhar.

- Estão a ouvir? Está alguma coisa na tubagem e tenho medo que fique magoado, se cozinhar e usar o exaustor.

- É o quê?

- Não sei....

- Eu acho que é uma fadinha. Disse a Mariana.

- Não é nada! É um unicórnio! Disse a Alice.

- É o George Michael*. Disse a Luísa.

Dei graças o João ainda só dizer mamã, papá e coisas que não percebemos. Antes que se saísse com:

- É um turista alemão dentro de um tuc-tuc.

Os miúdos brincaram. Sem se preocuparem minimamente com o barulho vindo da cozinha.

Eu, em falência renal. E sem o homem em casa.

Quem é que eu ia chamar para desmembrar a tubagem e olhar lá para dentro?

O meu sogro não podia. Porque mal mexe as mãos com um ataque de ácido úrico. 

O meu irmão está em Angola.

Liguei ao meu pai.

- Ah! Não te preocupes. O que está lá dentro, não aguenta muito tempo e vai morrer....

Lindo. Joana vai ficar com um cadáver na tubagem do exaustor. Já estou a ver o cozinhado....

Tanto pedi que o meu pai veio do Estoril.

Dei banho às pessoas todas aqui de caso...exceto a mim própria.

Jantar. Descongelei e aqueci. Porque cozinhar....credo!

O meu pai chegou. Subiu a um escadote e começou a desmembrar a tubagem.

Fechei os cães e a gata. Não queria mortes em minha casa...

Eram horas de ir para a cama, mas quem é que quer dormir quando está ansiosa para ver ao vivo e a cores, uma fada, um unicórnio e o George Michael??

Todas entusiasmadas.

Eu petrificada. Falência renal. Falência pulmonar. Dormências várias.

O meu pai conseguiu soltar o tubo.

O meu pai olhou lá para dentro.

O meu pai não conseguiu ver.

O meu pai ajeitou o tubo.

O meu pai apontou uma lanterna para dentro do tubo. E disse...

- Sabem o que é?

As miúdas aos saltos.

Joana falecendo.

- É um pombo!

- Vamos sair da cozinha para ele sair do tubo e abrimos as janelas e a porta para ver se ele sai.

Joana a falecer, mas com consideração pelo pombo...

- É melhor deixar água e um arroz integral...

Saímos da cozinha por uns minutos. E quando voltámos já tinha saído da tubagem.

Estava meio atordoado. Em cima do armário da cozinha.

O meu pai subiu ao escadote e apanhou-o. Soltou-o.

O pombo voou até onde conseguiu.

O meu pai voltou para casa.

Os miúdos aqui de casa foram para a cama.

Exceto a Luísa que se levantou e ainda estava de pé, quando o pai chegou perto das 22h.

- O que é que aprendeste hoje na escola?

- Não aprendi na escola, aprendi em casa!

- À foi? Então o quê?

- O George Michael é um pombo!

E eu na cozinha em falência renal de tanto rir.....

*Estamos a ouvir (cá em casa) uma playlist de Natal no Spotify onde consta o "last christmas" que a Luísa adora.....