Joana. 5 anos. Um dilema.
Zé Maria dono de uma mercearia de Campo de Ourique fez-me uma proposta irrecusável.
- Dou-te rebuçados até quereres mas tens de mudar para o Benfica.
Zé Maria tinha discussões acesas com o meu avô Joaquim. Sobre futebol.
O meu avô era do Sporting. O meu avô só via o Sporting.
A proposta do Zé Maria tinha como objetivo atingir o meu avô.
Eu não tinha percebido bem isso. Para mim só os rebuçados contavam. E ter de fazer esta escolha. Sporting ou rebuçados até cair para o lado. Era um dilema do caneco.
Pensei. Repensei. E voltei a pensar.
Sempre que eu passava pela porta da mercearia lá aparecia o Zé Maria com a sua oferta.
E eu ia para casa a remoer. O Sporting. Ou os rebuçados. Os rebuçados. Ou a proposta.
Chegou o verão e eu fui para o Alentejo.
O meu avô era um homem de poucas falas. Ao contrário da minha avó Maria que enchia uma casa.
Tinha um bocado de medo dele. Aquele homem já de idade. Sempre sério. Com uma voz que ecoava pela casa. Mas um dia ganhei coragem...
...e chamei-o à parte. Ali, entre o paiol e o palheiro.
5 anos de gente. Baixinha. Magrinha. Meio tostão de Joana.
Muito nervosa mas disfarcei e disse-lhe com todas as ganas!
- Era para dizer que decidi ser do Sporting.
O meu avô ficou meio atarantado.
E de repente começou a rir-se às gargalhadas.
A surrealidade daquela minha declaração fê-lo chorar a rir.
Ele não sabia que andava a ser aliciada. E não percebeu que até àquele dia tinha sido a decisão mais importante da minha vida.
Pegou-me ao colo. E levou-me ao colo até à cozinha. Sem conseguir parar de rir.
A casa do meu avô.
Tinha uma adega. Chamada paiol.
De adega tinha muito pouco. O meu avô tinha uns poucos de hectares com vinha mas os litros de vinho que fez contam-se pelos dedos de uma mão. Normalmente, vendia as uvas.
Com o passar dos anos a adega passou a ser mais uma arrecadação. E com o passar dos anos a adega começou a ser chamada de paiol.
Na brincadeira. E a sério também. O meu avô guardava lá pólvora. Em forma de foguetes.
Os foguetes eram imprescindíveis em casa do meu avô.
Eram lançados.
Sempre que o Sporting ganhava.
No ano passado fiquei com a casa dos meus avós.
E quando tive a certeza que a casa era minha anunciei. Aos quatro ventos.
- Este ano vou fazer vinho!
O meu pai. Reagiu. Tal e qual. O meu avô. Quando lhe disse que tinha decidido ser do Sporting.
Riu até chorar.
Fisicamente são iguais.
E riem. Da mesma maneira. Sem tirar nem pôr. Deve ser isto que se chama genética.
No ano passado antes das vindimas questionaram-me se queria vender as uvas tal como o meu pai e o meu avô tinham feito anos e anos a fio.
Respondi que não.
- Este ano não. Este ano faço vinho.
Assim nasceu o Paiol.
Uma homenagem ao meu avô. E à minha gente.
Já se fez uso dele na passagem de ano.
Diz quem bebeu que é bom.
Hoje não é um dia qualquer. Hoje enviei o rótulo para a gráfica.
Hoje não é um dia qualquer. Hoje o meu avô faria 107 anos.
O rótulo foi feito num software gratuito que anda pela internet.
A concretização deste sonho meio louco só foi possível porque fui ajudada por dois tios meus que sabem tudo sobre vinhos! E pelo meu primo Tomás que é um enólogo do caraças!
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